O dossiê “Vozes do além” da Revista Brasiliana se dedica às figuras mortas na literatura brasileira e coloca a pergunta a respeito do protagonismo e da poética dessas figuras particulares no âmbito fronteiriço dos gêneros do realismo e do fantástico: Quais são as implicações específicas dos personagens mortos para a economia da ação dos textos ficcionais? Quais são as perspectivas narratológicas do protagonismo paradoxal das figuras mortas e do relato dos narradores mortos e como se poderia formular uma poética das ressurreições ficcionais dessas figuras?

Ao contemplar os mortos que regressam e os narradores mortos, constata-se, que eles não são nenhuma raridade na literatura brasileira ou na literatura lusófona. Aparecem nos romances de Machado de Assis, Murilo Rubião ou Jorge Amado, para só mencionar alguns autores. Eles se apresentam também nas adaptações literárias para o cinema, como Dona Flor e seus dois maridos (1977), de Bruno Barreto, e, mais recentemente, de Pedro Vasconcelos (2017), e A morte e a morte de Quincas Berro d’Água (2010), de Sérgio Machado. São filmes nos quais os mortos participam da ação. A adaptação literária de Júlio Bressane (1985) e de André Klotzel (2001) das Memórias Póstumas de Brás Cubas devem ser destacadas. O personagem principal falecido conta a sua vida em retrospectiva. No filme de Klotzel o personagem principal comenta „do além“ pela narrativa em off a relação estreita e normal dos mortos com os vivos e como eles entram em diálogo uns com os outros.

Também os vivos procuram o diálogo com os mortos, esperam pelas mensagens do além ou buscam uma resposta oriunda do futuro. Assim, existem múltiplos textos na literatura brasileira, nos quais os protagonistas procuram apoio, explicações ou instruções para suas visitas a uma cartomante. A comunicação com os mortos e a leitura do futuro como um ato de recepção sustenta a ação. No entanto, essa comunicação e a leitura do futuro normalmente não resultam na melhoria almejada das circunstâncias da vida, mas, muito pelo contrário, na morte dos protagonistas. Que a morte dos protagonistas estimula a narração de uma forma particular, torna-se visível através de vários gêneros. Assim, Fábio Moon e Gabriel Bá narram na novela gráfica Daytripper a repetida morte do protagonista Brás, que alcança em cada capítulo uma idade diferente. Desta forma, os autores criam efeito de série estruturado pela imagem da morte.


Este número é coeditado por Dr. Sarah Burnautzki, Dr. Ute Hermanns e Janek Scholz.

Publicado: 2019-11-12