Personagens natimortas e efeitos espectrais em Doroteia e Descobri que estava morto de uma perspectiva hauntológica
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Abstract
No presente ensaio é feita a tentativa de submeter dois textos desiguais de épocas e gêneros distintos a uma leitura hauntológica comparada. Em Doroteia, peça teatral de Nelson Rodrigues de 1949, aparece em cena, na figura da natimorta Das Dores, uma personagem que faz troça de todas as leis da Natureza e que, desinformada sobre sua própria morte, entra ano, sai ano, e num estado espectral intermediário, espera pelo dia de seu casamento. Em Descobri que estava morto, romance de J. P. Cuenca publicado em 2015, o sinal antirrealista já parte do título que, com a contradição performativa da afirmação literalmente impossível (Weinmann 2018, 11) executa um artifício supostamente espectral que, no entanto, desperta expectativas frustradas, num primeiro momento, pelo romance narrado de forma tradicionalmente realista. Somente na última parte do decurso da ação o narrador executa uma metamorfose irrealista e deixa para trás as convenções miméticas de um romance realista. Além disso, os textos também são conectados pelo emprego intensivo de meios paródicos que, de forma contínua e autorreferencial negam a possibilidade de relações referenciais à realidade extralinguística. Enquanto transgressões antirrealistas do limite entre vida e morte em ambos os textos por fim dão provas de serem caças ao efeito modernistas ou pós-modernas vazias de significado, que não objetivam nada além da evidência (continuadamente apresentada) da impossibilidade do acesso da arte sobre a realidade extralinguística, os referidos textos são assombrados por significados desconfortáveis que eles constantemente se esforçam por excluir.
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