Revue Romane, Bind 23 (1988) 1

Aurelio Buarque de Holanda Ferreira: Novo Dicionário da Lìngua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986. XXIV + 1832 p. 2a ediçao revista e aumentada.

Birger Lohse

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O maior éxito editorial brasileiro de todos os tempos tem sido a série de dicionários/I Hr¿//o: o Novo Dicionário (conhecido como o 'Aureliâo'), publicado na Ia ediçâo em 1975, o Minidicionário, de 1977, e o Medio Dicionário Aurelio, de 1980. Do Mini, de 25.000 entradas, e destinado aos alunos da escola primaria, venderam-se nos primeiros dez anos quatro milhôes de exemplares, e do Medio, de quase 80.000 entradas, para os estudantes do curso secundario, à volta de 100.000. Da Ia ed. do Novo Dicionário vendeu-se aproximadamente um milhào de exemplares, justificaçâo suficiente para lançar urna segunda ediçâo, aumentada a cerca de 150.000 entradas, 30.000 mais do que na ediçâo de 1975.

No prefacio da Ia ed., o Novo Dicionário ficou definido como um dicionário medio, até 'inframédio', designaçao bastante modesta, e pouco acertada, para o maior e o mais completo entre os modernos dicionários da lingua portuguesa. Até à publicaçâo, prevista para a década de 90, do Grande Dicionário José Olympio da Lingua Portuguesa (em fase de elaboraçao, dirigido por Antonio Houaiss, em associaçâo com a Academia Brasileira de Letras), o dicionário de Aurelio continuará a ser o sine qua non da descriçâo lexicográfica do portugués, sobretudo da variante brasileira da lingua. O Aurelio terá, também, que preencher a importante funçâo de dicionário normativo do Brasil (igual a um Petit Robert na Franca ou a um Zingarelli na Italia), funçao de autoridade em questoes lingüísticas que a sua expansao entre os consumidores lhe tem atribuido.

A configuraçâo da macroestrutura, na 2a ed. do Novo Dicionário Aurelio, é relativamente simples (e corresponde, alias, àda Ia éd.): os prefacios (em que sao explicitados os principios lexicográficos adoptados), o Formulario Ortográfico (seguido pelas alteraçôes da ortografía de 1971), a Nomenclatura Gramatical Brasileira, a lista de abreviaturas, siglas e sinais, o pròprio corpo do dicionário e a bibliografia dos mil autores citados em abonaçoes. Nâo há pròpriamente instruçôes do uso do dicionário (além, evidentemente, das informaçôes contidas nos prefacios e na lista de abreviaturas), assim como nao há explicaçao das indicaçôes de pronuncia. O problema da apresentaçâo da morfologia verbal, Aurelio resolve-o nos artigos do dicionário, em cada caso particular (e há muitíssimos), quer se trate de irregularidades formais quer de dúvidas acerca do timbre da vogai tónica, de homografia, de homofonia, etc.

A microestrutura engloba as mais variadas informaçôes. Depois da palavra-entrada seguese, em casos específicos, urna transcriçao (que é urna transcriçào ortográfica, note-se) da pronuncia daquela parte da palavra que possa causar dúvida ou que saia das regras gérais da ortoepia. Há, p. ex., sempre indicaçâo da qualidade do e e do o acentuados (moça (ô)), das vogais com acento secundario (juazeiro (à)), de hiato (Juizado (u-i)), etc. A seguir à eventual transcriçao fonética, informa-se, geralmente, sobre a etimologia.

Das muitas indicaçôes de restriçâo de uso, merecem ser destacadas as de regionalismos, pelos problemas que estes levantam para a lexicografía da lingua portuguesa. A descriçlo lexicográficadas variaçoes diatópicas do portugués, sistemáticamente flagrada, ainda p«tá p<~>r fazer. O procedimento tradicional nos dicionários portugueses e brasileiros, para dar soluçào ao problema da indicaçâo das variantes regionais (num sentido lato da palavra), tem sido o de rotular como brasileirismos aquelas palavras e expressôes consideradas de uso exclusivo

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no Brasil. O comum à variante brasileira e à variante lusitana fica sem etiqueta 'regional'; aquilo que seria so de uso em Portugal recebe, nos dicionários feitos no Brasil, a rótula de lusitanismo.O Aurelio segue este esquema. Nâo há dúvida, porém, de que apresenta brasileirismos'a que rotula como 'palavra ou locuçâo propria de brasileiro' muito material linguisticoque é de uso corrente também em Portugal (p. ex. as expressSes matar o bicho e molhar o bica, a locuçao correntíssima assim assim, e varias outras). Por outro lado, a prioridadeque Aurelio dá I variante brasileira (principio lexicográfico que n2o explicita), refléctesenum número bastante reduzido de lusitanismos (tem, p. ex., autocarro, ementa, pequeño almoco e tallio, mas deixou omitidos casa de hanho e mulher a dias ( = bras, faxineira, que também omitiu, nesta acepçao), para nao falar de bica ( — cafezinho) e boleia ( = carona)). Deve ser acrescentado, a este propósito, que Aurelio excluí as variantes ortográficas próprias da norma lusitana (que também é a norma nos países africanos), de modo que dá mais do que urna forma ortográfica somente nos casos em que a(s) alternativa(s) também obedecem às regras da ortografia brasileira. I.m poucos casos falta a indicaçâo de brasileirismo: container(contentor em Portugal), p. ex., e no caso de pois n3o quando tem o significado que consta do Aurelio.

Na parte definitòria, Aurelio opta pelo método da paráfrase (que às vezes chega a ter carácter enciclopédico, cf., p. ex., o artigo mamoeiro, ou mamíferos, que ocupa dez linhas) ou pelo método de definir por sinónimos, como se pode observar no artigo a^l, muito esclarecedor a respeito dos problemas da definiçâo nos dicionários unilíngues. Km certos casos juntase à definiç2o um comentario de ordem pedagógica sobre aspectos sintácticos ou pragmáticos (cf., p. ex.,porém (conjunçâo), cuja definiçâo é de urna linha so, em forma de très sinónimos, e que apresenta um comentario de 11 linhas). As definiçoes sâo, muitas vezes, esclarecidas através de exemplos do uso da palavra em contextos, ñas varias acepçôes que se enumeram no verbete. Há exemplos construidos pelo A. e há abonaçôes tiradas de obras de escritores portugueses e brasileiros de Século XVI até a actualidade, com cerca de 2000 mil obras.

Entre as informaçôes de ordem sintagmâtica deu-se grande atençâo à regência verbal. A parte definitôria dos verbos organiza-se com base na regência, o que leva a uma certa repetiçâo de acepçoes. Aurélio explica, no artigo verbo, os diferentes tipos de regência verbal, omitindo, no entanto, definiçao dos tipos 'bitransitivo direto', 'transitivo circunstancial' e transitivo e circunstancial'. Se o leitor procurar uma definiçao de 'circunstancial', sera remetido a complemento circunstaiicial e, deste axticu, a udjuntu adverbial.

A fraseologia parece, para um dicionário deste tamanho, e também em comparaçâo com os maiores dicionários bilingues de portugués (dicionários que, no número de entradas, sao bem menores do que o Novo Dicionário Aurelio), bastante reduzida, limitada às expressoes mais correntes. Há, todavía, artigos que incluem urna parte fraseológica muito voluminosa, sobretudo pelo grande número de termos técnicos (cf., p. ex., ponto, com mais do que quatro colunas de fraseologia).

À parte sintagmática seguem-se as informaçôes sobre as relaçôes paradigmáticas, as informaçôes sobre a morfologia, sobre os possíveis homónimos (ou melhor, homógrafos), e (embora mais raro) sobre sinónimos e antónimos. No caso dos verbos, a conjugaçâo nao se apresenta, está claro, para cada verbo; remete-se para o verbete dum verbo-modelo (p. ex., para os verbos em -ear servem as indicaçôes no artigo do verbo, alias um brasileirismo, frear) onde se encontrarlo as formas que ofereçam dificuldades.

A actualizaçâo desta segunda ediçïo do Aureliao consiste, antes de mais nada, nainclusâo
de muitas palavras (e acepçôes) novas, sendo a mesma a concepçâo fundamental do dicionário.Uma

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rio.Umaârea especialmente fértil em terminologia nova é a ârea de processamento de dados, da quai Aurélio tirou tanto termos vindosdo inglês (hardware, software, backup, buffer, byte, chip e outros muitos) como os - em menor ou maiorgrau - "vernâculos" (banco de dados, mas nào base de dados, calculadora, computadorizar, micro- e minicomputador, unidade central de processamento etc.). Das outras esferas da vida, Aurélio introduziu inovaçôes lexicaisnos mais variados domînios, p. ex. das ciências e da polîtica e da economia internacional e brasileira; observa-se que a nova moeda do Brasil (o cruzado, de Marco de 1986) também entrou, e o novo significado de galo de 50 cruzados (ejâ nâo de cruzeiros), mas nâo o significadode 100 cruzados para a palavraperna, que continua, na 2a éd., como équivalente a 100 cruzeiros. Podem-se mencionar, para terminar, algumas das novidades na letra A: temos aiatolâ(termo desconecido, fora do Irâo, em 1975), aidêtico (de AIDS, que também esta), alemà~o-ocidental e alemao-oriental (palavras duma realidade jâ "antiga"), alto-astral (e astral,tanto como baixo-astrat), ambiental, amorzinho (e fazer amorzinho, como regionalismo do Nordeste brasileiro), anticomunhmo e anticomunhta, antifascismo e antifascista, o artigo antropologia cresceu muito, devido a um longo comentârio a antropologia cultural, e temos apartheid, apartidârio e apartidarismo, apôs-guerra, ateizaçâo e ateizar, auê e a expressâo jâ um pouca caduca, et que dévia ter sido incluîda na la ediçâo, tudo azul.

Foram introduzidas duas modifacaçoes na apresentaçâo grâfica, além da substituiçâo do tipo romano pelo tipo lineal. Na la ediçâo as entradas escreviam-se todas com maiûsculas iniciais; na 2a faz-se uma distinçào entre maiûsculas sô para as palavras que normalmente se escrevem com maiûscula inicial, e minûsculas para todas as outras palavras. Na 2a ediçâo as palavras-entrada nâo começam ligeiramente à esquerda do alinhamento, como na la, sobressaindo apenas pelo tipo diferente (negrito) dos caractères, o que torna a consulta menos fâcil - e o Aurêliào continua a serum dos dicionârios da lîngua portuguesa de consulta indispensâvel.

Copenhaga