Revue Romane, Bind 24 (1989) 1

Claudia TG. de Lemos: «Ser» and «estar» in Brazilian Portuguese: With Particular Référence to Child Language Acquisition. Gunter Narr, Tübingen, 1987. 168 p.

Birger Lohse

Side 140

No prefacio a este livro a Autora deixa claro que se trata da publicaçâo de urna versáo abreviada e, so era parte, revista, da sua tese de doutoramento (Th. D.') de 1975. É verdade que os anos que passaram desde que apresentou a tese, sao suficientes, com o rápido desenvolvimento da linguistica no mesmo período, para fazer 'envelhecer' um trabalho deste género. No entanto, sendo um traballio de muito interesse e valor, há boas razóes para publicá-lo mesmo com um certo 'atraso', razóes a juntar as que a A. alega: a de ser um tema que tem merecido relativamente pouca atençâo e a de o seu livro, na realidade, abordar um fenómeno que continua a ocupar um lugar central na linguistica e na filosofia da linguagem, a saber, o fenómeno de debas.

A obra, que se baseia essencialmente era quadros teóricos propostos por nomes como John Lyons (que foi o orientador da tese), G. Leech e J.M. Anderson, divide-se em duas partes bem distintas. A primeira encerra um estudo da diferenciacáo semántica entre os verbos copulativos ser e estar em oracóes locativas, e também da relaçao destes dois verbos com outros tipos de verbos copulativos, para chegar a um principio geral subjacente a todos os usos de ser e estar, principio geral a ser relacionado com a categoria de aspecto em portugués. Na segunda parte do livro sao analisados os mesmos verbos num corpus de enunciados infantis (de duas crianças brasileriras), numa tentativa de verificar se na linguagem infantil aparecem formas de ser e estar que confirmem em parte as hipóteses elaboradas na primeira parte.

No estudo das oracóes locativas com ser e estar, a A. distingue entre a localizacáode entidades movéis e de entidades imóveis, sendo o conceito de mobilidade definido como a capacidade de as primeiras se moverem ou ser movidas através do espaço (p. 17). Da análise do comportamento de ser e estar com entidades móveisresulta urna oposiçSo semàntica bastante clara. A predicacóes com estar exprimemrelacóes espaciáis que, necessariamente, sso temporalmente especificáveis,o

Side 141

veis,oque equivale a dizer que o verbo estar marca a relaçâo comò actual (p. 40). As predicaçôes com o verbo ser implicam urna norma (deduzida da observaçâo de urna certa regularidade da localizaçâo ou estabelecida como tal por alguma autoridade').No das predicaçôes com ser é acerca da norma que actualidade é afirmada. É a norma que se coloca em relaçâo com os coordenados deícticos de espaçp e tempo; a actualizacáo nao afecta, por assim dizer, nenhum membro do conjunto de possfveis localizaçôes (p. 41-42). Exemplos ilustrativos desta oposiçâo constituem, segundo a A., enunciados como Joâo está no escritorio as duos horas vs. *Os livros de Historia sâo naquela estante as duos horas, mas Os livros de Historiasâo [sempre¡todos os diasj naquela estante a partir das duas horas e (...) naquelaestante das duas às quatro (p. 26-27).

A análise das oracóes locativas com entidades imóveis como sujeito, leva a urna conclusáo semelhante, mas leva também a A. a redefinir o conceito-chave de actualidade através de urna redefinicáo do conceito de espago deíctico, o qual incluirá, além de acessibilidade perceptiva (pressuposta pela observaçâo da entidade e pela avaliacáo da possível actualidade da mesma), atencáo e conhecimento, concebidos como zonas defcticas concéntricas (p. 99). A actualidade (re)define-se na interseccáo destas tres zonas. A diferença entre as predicaçôes com estar e as com ser nao reside tanto em tipos de discurso diferentes, mas relaciona-se, diz a A. (p. 101), com urna distinçâo superior de dominios de discurso diferentes, de perspectivas diferentes. As predicaçôes com o verbo ser contrastarli com as predicaçôes com estar por pertencerem aquelas aos dominios em que as relaçôes experienciais' falante cedem em favor da 'objectividade'. Um exemplo ilustrativo, com urna entidade imóvel como sujeito da frase, seria o enunciado seguinte: Voce disse que o cinema era aqui, mas eu nâo estou vendo nenhum cinema. Onde está o cinema? (p. 62).

A pesquisa empírica, analisada na segunda parte do livro, é muito interessante em si. O desenvolvimento da linguagem nos dois rapazes (do mais jovem foi gravado um número de 6.736 'frases' entre os seus 18 e 27 meses de idade, do outro 9.742 entre os 21 e 28 meses) mostra claramente um avanço na competencia lingüística, mas que estáo ainda, com pouco mais de dois anos de idade, na margem, linguisticamente, do sistema aspectual estudado na primeira parte deste livro, a propósito da linguagem dos adultos. Esta é a conclusáo 'negativa' que a A. há-de tirar (p. 163). As duas crianças têm, no entanto, já um sistema aspectual embrionario que parece permitir à A. observar um paralelismo entre o desenvolvimento histórico das construçôes com estar (as expressóes locativas surgem quase simultaneamente com as progressivas, vindo estar com participio e com adjectivo só mais tarde) e o desenvolvimente destas mesmas construçôes na linguagem infantil. Associa (p. 164) o desenvolvimento diacrònico ao processo de alfabetizacáo, associaçâo, devemos dizer, em que nao acreditamos muito.

Universidade de Copenhaga