Revue Romane, Bind 19 (1984) 2

Jürgen Schmidt-Radefeldt (Hrsg.): Portugiesische Sprachwissenschaft. Tubingen, Gunter Narr Verlag, 1983 (Tubinger Beitràge zur Linguistik 212). 303 p.

Birger Lohse

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Coube a Jürgen Schmidt-Radefeldt, de Kiel, já em 1976, ser redactor duma colecçào de artigos sobre a lingua portuguesa, Readings in Portuguese Linguisîics (Amsterdam/New York/Oxford, North-Holland Linguistic Series 22), que, naquela altura, facilitou muito a integraçào do estudo do portugués na linguistica internacional. Com esta nova colecçào de trabalhos, escritos, a maior parte, por lingüistas alemàes, consegue testemunhar a vivacidadee a seriedade da lusitanística alema. O livro contém doze contribuiçôes, tendo os estudos de sintaxe e semántica certa preponderancia (sao em total sete ). Os restantes

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vâo desde pesquisas na lingua falada, linguistica aplicada e de texto até à sociolinguística, representada por um traballio do pròprio redactor, no dominio da Afro-romanîstica, que nos oferece urna verdadeira cornucopia de informaçôes e referencias sobre o estado das línguas francesa e portuguesa no continente africano. Os dois estudos de lingüística aplicada e de texto sao, respectivamente, de Antonio C. Franco (que trata dos erros cometidos por portugueses na aprendizagem do alemào) e de Michael Metzeltin (que muito instrutivamente, num estudo de índole geral a propósito da linguagem jornalística portuguesa,examina o chamado complexo do emissor, Senderkomplex). A presente recensâo vai concentrar-se nos trabalhos sobre a lingua falada e nos estudos sintácticos e semánticos.

Os dois trabalhos de Michael Scotti-Rosin e de Reinhard Meyer-Hermann virào ajudar a preencher urna das grandes lacunas na investigaçào do portugués, visto que a lingua falada tem sido relativamente pouco estudada. A contribuiçâo de Scotti-Rosin é bastante curta e nào vai muito além dum relatório de pesquisas ainda por terminar. O tema sao os chamados Gliederungssignale, bordees de lingua corno, p. ex., pois, portanto, bem/bom, nao è e pá, de suma importancia no idioma. O trabalho de Meyer-Hermann, bem maior e muito informativo, trata dos meios de atenuaçào (Abschwàchung), cuja funçao interaccional é a de diminuir as responsabilidades (contidas num enunciado) do falante e/ou do seu interlocutor (p. 26). Estes meios apresentam grande variedade (há adverbios como talvez e às vezes, verbos modais, uso de certos tempos e modos, partículas, como o já mencionado nao é, etc.), podendo, evidentemente, funcionar juntos (p. ex. urna forma como deverá, analisada pp. 44-45), mas que apenas têm o efeito atenuador sob determinadas condiçôes e em determinados contextos (pp. 35-36). A contribuiçâo de Meyer-Hermann faz parte duma investigaçào preparativa para urna gramática que, corn diferença das existentes, se baseará nos chamados tipos de funçâo interaccional (cf. pp. 47-50), urna gramática que, segundo o A. (p. 51), "reconstrua" a hipótese de que a escolha das formas de superficie (Manifestationsformen) no processo verbal é determinada pelos fins comunicativos do falante.

Com o artigo, de José G. Herculano de Carvalho, sobre a gramaticalizaçâo e os valores aspectuais do verbo fïcar, entramos nos estudos sintácticos e semánticos. É conhecido que ficar (que nao tem verdadeiramente paralelo ñas outras línguas románicas, mas que se assemelha bastante ao escandinavo blive) apresenta grande complexidade semántica (e pôe muitos problemas de ordem didáctica no ensino de portugués a estrangeiros). Por este motivo é de lamentar que a exposiçâo de Herculano de Carvalho nâo contribua muito para melhor entendermos este verbo difícil. Faz urna distinçâo entre um valor fundamental (que é o significado de "permanecer"), tratado na primeira parte do artigo, e um outro (que equivale a "tornar-se"), de que fala na segunda parte; a análise semántica dos muitos exemplos desvaloriza-se por se basear demasiado na intuiçâo e por ser, parece-me também, sistematicamente ad-hoc. De súbito a exposiçâo acaba, no meio duma discussâo interessante acerca de ficar + participio, e continuamos sem saber da relaçâo entre estes dois valores aspectuais (e dum terceiro, com o significado de "estar") e da gramaticalizaçâo, que, alias, passou rapidamente para um segundo plano.

O trabalho de Hermann Kôrner, sobre a (falta de ) originalidade do infinitivo flexionado ("pessoal") do portugués, é urna contribuiçâo de grande utilidade para a tipologia sintácticadas línguas románicas. Para resolverem o problema do sujeito do infinitivo, têm estas línguas seguido dois caminhos aparentemente muito diversos. O francés, o catalâo e o italiano optaram por urna construçâo nova, a oraçâo relativa chamada predicativa, e deram

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as costas à construçâo que as linguas mais periféricas da Romania, o portugués, o espanhol, o sardo, o siciliano (e, provavelmente, outros dialectos italianos meridionais) e o romeno, desenvolverán! do latim: o infinitivo com sujeito pròprio em nominativo. Para Kórner, a flexionabilidade do infinitivo portugués (e galego) reduz-se a um fenómeno secundario, concomitante, que ele relaciona, um tanto descuidadamente, com a integraçào dos pronomesoblíquos átonos (vé-10, vêem-no etc., cf. p. 77) e com a supremacía da sílaba tónica no portugués (europeu actual! cf. p. 99, N. 2). Realmente, assim nâo avançamos na discussâo do porqué da presença dum infinitivo flexionado no portugués e da ausencia de formas semelhantes no, tipologicamente tâo parecido, espanhol.

As observaçôes, de Jaromír Tláskal, sobre o uso de certos tempos e modos no portugués oferecem ao leitor pouco mais do que este poderia ficar a saber consultando um dos já muitos manuais da lingua (Tláskal cita dois; as outras referencias que dá vao quase todas para a sua pròpria produçâo). De maior interesse, neste traballio, sâo as consideraçôes sociolinguisticas, embora nâo se indiquem as possiveis restriçôes geográficas (a substituiçâo do presente do conjuntivo pelo presente do indicativo, na liguagem popular, p. 113, diz respeito ao portugués lusitano também?), e é de esperar que o A. prossiga por este caminho com estudos mais desenvolvidos, aperfeiçoando o seu aparelho teórico para que, p. ex., se clarifiquem o status e a interdependencia das quatro linguagens mencionadas no artigo (portugués padráo, port, popular, port, coloquial e port, falado).

As contribuiçôes de Klaus Bòckle e de Paulo Martins Ferreira abordam ambas a semàntica do conjuntivo, mas de pontos de partida profundamente opostos. Bòckle acha prematuro (talvez até irrealizável) querer encontrar um valor fundamental {Grundwert) que abranja todos os usos do conjuntivo portugués e limita-se, consequentemente, a procurar, por via indutiva, os varios matizes semánticas das constrùçôes com dai que (e outras parecidas). Estas constrùçôes conclusivas distinguem-se tanto pela atitude do falante como pelo uso modal (admitem conjuntivo) das consecutivas (no indicativo, na forma "pura") com que a tradiçâo gramatical, frequentemente, as tem confundido. O programa de Bòckle será, assim, investigar o mecanismo do conjuntivo através duma análise comparativa dos diferentes tipos de emprego para poder chegar a estabelecer zonas {Teilfeider) semánticas de maior ou menor grau de parentesco (p. 152), rejeitando, a priori, qualquer tentativa duma explicaçào "onomasiològica". O objectivo de Martins Ferreira é, comparado com o de Bockie, bastante mais ambicioso: propoe-se definir o Grundwert nao-só, do conjuntivo portugués, mas deste modo verbal ñas línguas románicas na sua totalidade. Lança, para este firn, tres hipóteses, minuciosamente elaboradas e ligadas entre si (pp. 185, 187 e 189), das quais se segue que a oposiçao entre os modos indicativo e conjuntivo se reduz à questao duma selecçào dum termo da disjunçào implicada pela proposiçâo dada - é o que o conjuntivo assinala - ou duma nlo-selecçâo, denotada pelo indicativo (p. 192). O conjuntivo, que normalmente fica impedido, por ter esta funçâo, de representar urna "acçâo autónoma" (íbid.), designa, portanto, urna (só) alternativa que o falante, num caso concreto, escolha entre outras alternativas concebidas como possiveis. Bom. Esta definiçào é de tal maneira abstracta e o seu campo de aplicaçào tende a tornar-se tâo vasto que a potencia explicativa da mesma irá perigosamente para perto de zero. Martins Ferreira discute, sobretudo, frases relativas e construçôes com dai que; mereceriam as hipóteses formuladas por ele ser testadas num confronto com um maior número de usos do conjuntivo mais variados.

Hans Schemann e Wolf Dietrich focam as perífrases verbais que a tradiçâo gramatical
tem denominado modais (haver de + infinitivo etc.). O pequeño traballio de Schemann

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é muito prometedor. Mostra como urna abordagem "pragmática" será necessaria para melhor captar o subtil jogo de pressuposiçôes que caracteriza tanto estas perífrases como as partículas modais do tipo aber do alemâo. No entanto,a "constelaçâo" das condiçôes pragmáticasimplica urna base semántica, a ser investigada dentro duma teoria da metaforizaçâo (Übertragung, pp. 204-205). O uso das partículas modais e bem assim desta perífrase conferemà frase urna certa atitude do falan te, completando o predicado. Schemann submete haver de + inf. a urna análise rápida e acaba por colocá-la, como perífrase pragmáticamente determinada, em contraste com as que apenas o sao em certas construçôes/circunstâncias (ir a + inf., p. ex.) e com as que nunca o sao (estar a + inf., p. ex.) (p. 208). Haver de + inf. também entra no estudo, de moldes bem mais tradicionais, de Dietrich, ao lado de outras que têm funçao de "catástase" (termo do A., p. 222), por indicarem a posiçào do sujeito perante a acçao verbal (p. 213; cp. Schemann). Sao verdadeiras perífrases verbais (isto é, "mais" do que simples cadeieas de verbo + objecto) porque sao constituidas por um "verbum adiectum", um verbo-instrumento, cujo conteúdo lexical se actualiza somente em relaçâo a um outro verbo (p. 215). Dietrich classifica estas perífrases (todas com infinitivo) em quatro grupos, as quais exprimem, respectivamente, hábito (os verbos modais sao costumar e usar), intençao (dignarse a), obrigaçao (haver/ter de/que e dever) e probabüidade (poder). Nao se excluí que existam ainda mais perífrases de funçao catastática (mas saber + inf., p. ex., nào cabera neste grupo por nao formar perífrase), e seria interessante, agora, que os principios esboçados por Schemann se aplicassem a estas e as outras tratadas por Dietrich, a firn de que as repetidas afirmaçôes deste A., de que os varios matizes semánticos se situam, exclusivamente,no nivel da fala, se possam justificar melhor.

Antes de terminar, duas pequeñas observaçoes. É pena que, em alguns dos artigos, os elementos bibliográficos, em vez de dispersos em notas avulsas, nao estejam alfabeticamente reunidos no firn do texto. Também nao posso deixar de chamar a atençâo para o sem-número de erros tipográficos que salpicam desagradavelmente a leitura (p. ex.: deixi por deixei, p. 89, e que pelo italiano che, p. 96 e 97!). Neste aspecto, ainda que secundario, seria de esperar maior Gründlichkeit.

Concluindo, esta colecçSo de artigos manifesta claramente, como se vé, que se fazem
nítidos progressos nos estudos da lingua portuguesa e interessará, penso, a um público nao
só de lusitanistas como também de curiosos destes assuntos e de romanistas em geral.

Copenhaga